IFSP-CJO ENTREVISTA FUNDADORES/AS DA ACADEMIA JOVEM DE LETRAS DE CAMPOS DO JORDÃO (AJLCJ)
Fundada no início de 2017, a Academia Jovem de Letras de Campos do Jordão reúne jovens em torno da literatura, por meio de leituras compartilhadas, publicações de livros e realização de eventos, com o intuito de fomentar a formação de novos talentos, incentivar a cultura do ler e do escrever e contribuir para a formação intelectual, política, artística e cidadã dos jovens da cidade.
David Daniel da Silva, pesquisador de Iniciação Científica, graduando do curso Licenciatura em Pedagogia e também membro da AJLCJ, e sua orientadora Profa. Dra. Cinthia Yuri Galelli entrevistaram os/as responsáveis pela fundação da Academia: Adriana Harger, Benilson Toniolo, Carlos Alberto Machado e Maria Sueli Fonseca Gonçalves (Suelizinha). Confira!
A criação da AJLCJ
Maria Sueli: Comecei a frequentar as reuniões da Academia de Letras de Campos do Jordão já no ano de 2006. Neste mesmo ano, pude apresentar aos acadêmicos o projeto Academia Estudantil de Letras (AEL), desenvolvido em São Paulo, pela Secretaria Municipal de Educação, projeto idealizado por mim, que funciona nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, desde 2005.
Visitei algumas escolas e logo houve a percepção de que adaptações seriam necessárias. Foi assim que a Diretoria da Academia tomou a decisão de abraçar definitivamente a ideia e instituir a Academia Jovem de Letras de Campos do Jordão, assumindo a coordenação e apoiando diretamente o projeto, criando a oportunidade para que todos os estudantes moradores da Cidade, interessados em participar, pudessem se inscrever, sob a orientação e acompanhamento da própria Entidade, e não por intermédio da Secretaria de Educação, como ocorre em São Paulo.
Adriana Harger: A criação da AJLCJ se deu quando, numa tarde de janeiro de 2017, o acadêmico e escritor Benilson Toniolo me chamou para uma conversa e propôs a criação de um grupo formado por jovens que gostassem de ler e escrever, e que através da arte, pudessem também tratar de temas relacionados à cidadania. Aceitei de imediato e, poucas semanas depois, fazendo propaganda em algumas escolas e nas mídias sociais, abríamos a Biblioteca Municipal para a primeira reunião do que viria a ser a Academia Jovem de Letras de Campos do Jordão, tendo, naquele momento, cerca de vinte jovens, desejosos por falar de sua paixão pela leitura e pela escrita e por mostrar suas produções.
Os objetivos da AJLCJ
Segundo Benilson Toniolo, a criação da AJLCJ se deu em razão de algumas necessidades identificadas por ele e seus criadores, permitindo-lhes estipular os objetivos da academia e suas ações.
Benilson Toniolo: a) identificar onde estavam os jovens que gostavam de ler e escrever; b) agrupá-las sob uma mesma estrutura e assim contribuir para sua formação intelectual, política e cidadã, criando um grupo que pudesse, a partir das vivências individuais de cada um, pensar a cidade e propor alternativas; c) contribuir com a educação pública municipal por meio da realização de atividades que complementassem o que eles aprendem em sala de aula (uma vez que, em geral, as escolas costumam receber propostas que não pediram; ou seja, a AJLCJ pretendeu ser um “braço” de apoio ao ensino tradicional); d) garantir o futuro da Academia de Letras adulta por meio da sinergia entre os dois grupos, o de jovens e o de escritores mais velhos; e) propiciar o intercâmbio e a troca de conhecimentos entre esses dois grupos: f) gerar oportunidades para o aprofundamento da relação do jovem jordanense com a literatura por meio da visita a ações e atividades relacionadas ao tema, como lançamentos de livros, palestras, feiras literárias, museus etc; g) “descobrir” novos talentos, contribuir com seu desenvolvimento e gerar oportunidades de visibilidade do seu trabalho literário.
As condições da cidade de Campos do Jordão para a cultura literária
A tradição literária de Campos do Jordão se destaca não só pelo clima agradável e bucólico, e pelas paisagens inspiradoras, mas por uma tradição que, segundo Benilson, vem desde o chamado Ciclo da Tuberculose, quando muitos dos pacientes que se tratavam na cidade usavam a escrita para registrar sua experiência.
Benilson Toniolo: Naquela época, era comum o surgimento de “jornaizinhos” feitos pelos pacientes dentro dos sanatórios com poemas escritos por eles. Então, entendo que a cidade sempre teve uma relação muito próxima com a literatura. E a ideia de fazer surgir um grupo de jovens escritores, ainda em formação, acabou por encontrar um cenário já pronto e muito favorável. Foi só jogar a semente, que era boa, em uma terra de grande fertilidade. A gente só teve que adubar bastante.
Adriana Hager faz uma interessante análise da cena cultural da cidade, a partir da discrepância das realidades materiais dos moradores de Campos do Jordão e o acesso às experiências literárias:
Adriana Hager: Campos do Jordão é uma cidade com realidades muito distintas. De um lado, o potencial cultural a partir do eixo da capital, que traz identidades artísticas de diversas áreas, através da música, como é o caso do Festival de Inverno, ou das artes plásticas, identificado pelos museus (Museu Felícia Leirner, Palácio Boa Vista e Casa da Xilogravura), com obras principalmente de artistas não-jordanenses, mas que identificam Campos do Jordão como um polo que respira arte. A partir desse contexto, durante décadas desenvolveram-se grupos artísticos locais, que buscaram fomentar a produção escrita, musical ou de artes plásticas. De outro lado, uma população sem acesso, mas que, sob meu olhar dentro das escolas, seguia buscando caminhos para dar voz a sua arte. Esses jovens estudantes precisavam de um espaço que ainda não havia sido claramente definido, aparte poucas tentativas de clubes de leitura e saraus. Naquele momento, as condições poderiam ser oferecidas a partir do núcleo acadêmico.
Assim como Adriana Harger, os entrevistados Maria Sueli e Carlos Alberto Machado, também acreditam que a chave para o desenvolvimento das grandes obras e autores de Campos do Jordão é a criação de oportunidades.
Maria Sueli: As crianças e os jovens, quando motivados, interessam-se por arte e pela Arte Literária, pela Literatura. Esta é uma resposta natural deles. Logo respondem positivamente ao incentivo que recebem. Dá certo!
Carlos Alberto Machado: É muito importante para qualquer município ter o maior número de jovens que gostem de ler e escrever, identificar e dar suporte para eles é uma função da sociedade civil organizada.
A importância do grupo de jovens escritores para a cidade
Tanto para Adriana, quanto para Benilson, mais do que ler e escrever literatura, o grupo tem a função de criar seres pensantes:
Adriana Harger: O desenvolvimento do pensamento crítico se dá pela educação, mas também pelas leituras e vivências que fazemos ao longo da vida. Poder dar espaço para que jovens possam ter acesso a leituras variadas, entendendo que locais como a biblioteca são, sim, “públicos” e para que possam discutir temas sobre literatura e também sobre cidadania, cria uma possibilidade de escolha, escolha essa que abre um mundo de novas possibilidades estudantis, profissionais e de participação social consciente. E é essa realidade que vislumbramos para Campos do Jordão quando da criação da AJLCJ.
Benilson Toniolo: A criação de grupos artísticos compostos por jovens é uma necessidade de todos os municípios, não só de Campos do Jordão. No nosso caso, em especial, foi a oportunidade de criar um grupo pensante e atuante – porque pensar e não agir equivale a não fazer uso da experiência do conhecimento e não contribuir com o coletivo. José Saramago tem uma frase que fala sobre isso. Ele diz que “nem o velho pode o que sabe, nem o jovem sabe o que pode”. Ou seja, Campos do Jordão possui uma massa pensante crítica e ativa constituída por pessoas jovens. É necessário dar voz a elas, inclusive para que contribuam com o desenvolvimento da cidade no futuro.
Para Maria Sueli, ter um grupo como a AJLCJ “Significa evolução, progresso, novo sentido à vida, à educação, retomada de valores essenciais à formação e à integridade do ser humano.”
Ações e próximos passos
Segundo Adriana Harger, o período de confinamento afetou a dinâmica de entrosamento presencial do grupo, cujos encontros aconteciam na Biblioteca Municipal, na Câmara ou nas praças da cidade.
Esse novo cenário, somado a algumas mudanças pontuais no eixo de apoio, fizeram com que as atividades se tornassem menos frequentes. No grupo de whatspp, porém, o compartilhamento de textos produzidos pelos acadêmicos se manteve, o que prova que a necessidade de participação em um grupo que fale a mesma língua continua.
Além disso, Carlos Alberto Machado destaca que “desde 2017 quando foi fundada a AJLCJ, passaram vários jovens, muitos entraram na Universidade e seguem suas carreiras, alguns ainda ligados a academia, outros a abandoram.
Para Adriana Harger,
Isso significa que novas ações, como um novo olhar precisarão acontecer para que a AJLCJ volte a ter a dinâmica dos primeiros anos. Dado que os jovens passam pela entidade em sua maioria na faixa etária que engloba os últimos anos da Ensino Fundamental e o período do Ensino Médio, logo eles seguem seus caminhos em direção ao trabalho e à Universidade, de modo que muitos deixaram de participar das atividades com a mesma frequência dos primeiros anos, o que já era esperado. Esses, de faixa etária acima dos vinte anos, porém, mantiveram-se “acadêmicos” até o momento atual, buscando, junto com o conselho consultivo, estratégias para reavivar o grupo. A partir dessa nova base certamente encontraremos um novo caminho, sob um novo olhar.
A mensagem deixada por Maria Sueli é de esperança no fortalecimento das ações do grupo:
Desejo firmemente que o grupo persista, resista às dificuldades, prossiga na convicção de que estão no caminho certo. Desejo que recebam incentivo e que, percebendo a chama que arde em seus corações, não desanimem nunca. Em São Paulo, a AEL já completou dezenove anos! Os depoimentos dos professores e jovens a cada ano se mostram mais e mais animadores! É este o cenário que desejo e que prevejo para o futuro da Academia Jovem de Letras de Campos do Jordão.
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Entrevistados:
Imagem 1: Adriana Harger, fundadora da AJLCJ.
Adriana Maria Russo Moysés Harger, jordanense, formada em Letras e especialista em Leitura e Produção de Textos, atuou como professora de idiomas e de escrita por 28 anos. Estudiosa da história jordanense. Escreveu diferentes gêneros literários como poemas, biografias, contos etc. É premiada em diversos concursos no Estado de São Paulo. É membro da Academia de Letras de Campos do Jordão, sendo atualmente sua Presidente (gestão 2022-2025). Participou do processo de fundação da Academia Jovem de Letras, fazendo parte do Conselho Consultivo. Participou do processo de fundação da Academia Jovem de Letras, fazendo parte do Conselho Consultivo. Fez parte, como membro fundadora, do Grupo Arte em Campos do Jordão (2015-2016) e faz parte do Movimento União Cultural.
Imagem 2: Benilson Toniolo, fundador da AJLCJ.
Benilson Toniolo é professor, escritor e político. Possui licenciatura em História, pós-graduação em Ciência Política e Especialização em Realidade Latino-Americana. Publicou 26 livros, como autor e organizador, entre Poesia, Contos, Crônicas, Romance, Ensaio, História e Biografia. Participa das Academias de Letras de Campos do Jordão, entre outras associações de docentes e de escritores, tendo fundado ainda a Academia Jovem de Letras de Campos do Jordão. Atuou como Secretário Municipal de Valorização da Cultura de Campos do Jordão entre os anos de 2013 e 2024 e conselheiro titular do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Defesa do Estado de São Paulo) entre 2021 e 2024.
Imagem 3: Carlos Alberto Machado, fundador da AJLCJ.
Carlos Alberto Machado é cardiologista, Membro Titular da Academia de Letras de Campos do Jordão, ex-presidente do Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia, ex-diretor de Promoção de Saúde Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Cardiologista do NASF da Estratégia Saúde da Família da SMS Campos do Jordão.
Imagem 4: Maria Sueli Fonseca Gonçalves, fundadora da AJLCJ.
Maria Sueli Fonseca Gonçalves, conhecida como Suelizinha, é professora de Língua Portuguesa e escritora, idealizadora do Projeto Academia Estudantil de Letras (AEL) da Rede Municipal de Ensino de São Paulo e membro efetivo da Academia de Letras de Campos do Jordão, ocupando a cadeira 21, do poeta Emílio Moura e detém o título de Madrinha da Academia Jovem de Letras da mesma cidade.
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